Entendendo a liquefação na barragem de rejeitos de Brumadinho

Após a entrevista concedida ao Fantástico, este artigo pretende ilustrar como ocorre de fato a liquefação numa barragem de rejeitos como a do Córrego do Feijão, em Brumadinho – MG, que resultou na tragédia que deixou perplexo o nosso país.

O fenômeno envolve uma série de conceitos de Mecânica dos Solos, como tensões total, neutra e efetiva no solo e condição de solicitação não-drenada, os quais serão tratados com mais detalhes posteriormente em outros artigos. Aqui se explicam as linhas gerais de como ele ocorre.

Usaremos inicialmente uma imagem da barragem (figura 1) disponibilizada pela Rede Globo para ilustrar a ruptura:

Figura 1 – Vista Frontal da barragem no início da ruptura (embaixo, lado direito).

Observem que a ruptura iniciou-se no talude mais baixo, o qual aparece indicado com uma seta na vista em planta da Barragem I na figura 2:

Figura 2 – Vista aérea (planta) da barragem com indicação da região aproximada do início da ruptura (adaptado de Silva, 2010).

A liquefação ocorre por perda brusca de resistência ao cisalhamento do rejeito devido ao aumento repentino de poropressão (excesso de pressão neutra em condição não-drenada), provocado geralmente por cargas cíclicas ou carga estática aplicada em curto intervalo de tempo. Vamos tentar traduzir como isso ocorre.

A massa de rejeito, acrescentada ao longo dos anos, aplica seu peso sobre as camadas inferiores. Com isso, os grãos de rejeito dessas camadas inferiores, sofrem redução de volume devido à compressão exercida, visto que o material foi lançado pela técnica de aterro hidráulico e com isso as partículas sedimentaram-se no estado fofo (não compacto). Com essa redução de volume, a água contida nos vazios dos grãos sofre também uma intensa compressão, mas não consegue se deslocar para regiões de baixa pressão pois a região no seu entorno possui muitos finos entre os vazios, o que reduz a permeabilidade. A água então, sendo um líquido incompressível, suporta praticamente toda a tensão e com isso os grãos ficam aliviados de parte da carga e sofrem redução das forças de contato entre si, o que faz cair bruscamente a resistência ao cisalhamento devido à redução do atrito entre eles (figura 3).

Figura 3 – Grãos das camadas inferiores com tensão efetiva reduzida pelo excesso de poropressão – indicada pelas setas azuis (por Kurt Amann).

Com isso, o rejeito fica no estado semelhante ao de um líquido, com praticamente nenhuma resistência por cisalhamento entre grãos, e, assim a água sobrecarregada acaba por ser expulsa violentamente em direção ao ponto de menor resistência, ou seja, o talude da barragem (figura 4).

Figura 4 – Ruptura por liquefação da Barragem I de Brumadinho.

A partir daí, todo o material fica instável e a água acaba levando todo o material de rejeito consigo (figura 5).

Figura 5 – Ruptura completa da Barragem I de Brumadinho.

O cenário final é desolador (figura 6), sobretudo quando se pensa que havia muitas pessoas trabalhando sobre a barragem, instalando piezômetros automáticos, o que ironicamente deveria oferecer maior velocidade de obtenção dos dados e maior segurança, além de todos que estavam no caminho por onde a lama passou.

Figura 6 – Situação final do que foi a Barragem I

O ponto que ainda não está claro é qual foi o elemento deflagrador do processo de liquefação estática. Em geral, se não há cargas cíclicas expressivas, esse processo pode ocorrer quando a velocidade de lançamento dos rejeitos é muito grande e não se tem tempo suficiente para a água drenar (migrar entre os grãos) para regiões de baixa pressão, resultando na chamada condição não-drenada.

Considerando que não havia obras na barragem, e que a instalação dos piezômetros não imprimiria esforços significativos na mesma, resta investigar que tipo de esforços deflagaram o processo.

Para saber mais:

SILVA, W. P. Estudo do potencial de liquefação estática de uma barragem de rejeito alteada a montante aplicando o método de Olson (2001). Dissertação de Mestrado em Engenharia de Minas. Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – MG. 120pp. 2010.

AMANN, K.A.P. Reflexões sobre o potencial de liquefação e a ruptura da Barragem I (Brumadinho-MG) à luz do trabalho de Silva (2010). Disponível em:
https://revistaminerios.com.br/ruptura-da-barragem-brumadinho/ (abril de 2019)

Vejam a minha entrevista concedida ao Fantástico da Rede Globo em 03 de Fevereiro de 2019.

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/02/03/modelo-criado-especialmente-para-o-fantastico-mostra-como-uma-barragem-de-rejeitos-pode-se-romper.ghtml

Você pode assistir o meu vídeo sobre esse artigo de liquefação

Assista o vídeo com a explicação da Liquefação em Brumadinho